Vermelho: o político-empresário que pode arruinar o Parque Nacional do Iguaçu

Vermelho: o político-empresário que pode arruinar o Parque Nacional do Iguaçu
Vermelho: o político-empresário que pode arruinar o Parque Nacional do Iguaçu

Autor de um projeto de lei (984/2019) que tramita na Câmara Federal para abrir uma estrada que rasgaria ao meio o Parque Nacional do Iguaçu, na região Oeste do Paraná, o deputado federal Nelsi Coguetto Maria, mais conhecido como Vermelho (PSD), carrega um passado turbulento, com direito a denúncias no Ministério Público Federal (MPF) por envolvimento com práticas de corrupção.

Vermelho é dono de uma empresa que realiza obras de pavimentação e pode ser favorecido eleitoralmente por defender a abertura de uma rodovia de 18 quilômetros em meio ao Parque Nacional, por onde passava a antiga chamada “estrada do colono”, afinal, ainda é significativo o número de pessoas que acreditam que a estrada, fechada pela Justiça em 2001, seria um bom negócio para encurtar em alguns poucos minutos o deslocamento entre as cidades de Serranópolis e Capanema. A decisão de 2001, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vale lembrar, já representa um caso “transitado em julgado”, o que significa que foi julgado em seus últimos recursos e não há mais possibilidade de argumentações e ações contrárias à decisão.

No entanto, o projeto protocolado por Vermelho e que foi aprovado na Comissão de Transporte da Câmara, busca criar a “Estrada-Parque Caminho do Colono”, instituindo uma nova categoria de unidade de conservação, e não leva em conta que essa estrada seria responsável por rasgar ao meio o Parque Nacional do Iguaçu, uma das mais importantes unidades de conservação do Brasil e do mundo, reconhecida pela Unesco como um Patrimônio Natural da Humanidade. O Parque é o último refúgio da onça-pintada no sul do Brasil. Flora e fauna que ainda sobrevivem depois de décadas de exploração desenfreada seriam danificadas e impactadas para sempre. Sem falar que, quando a estrada existia na década de 1980, ela também representava um perigo para a população, já que era amplamente utilizada para transporte de contrabandos e tráficos de drogas e de animais, conforme atestam relatórios policiais da época. Além disso, a abertura da rodovia abriria um gravíssimo precedente para que estradas também fossem abertas em outras unidades de conservação nacionais.

O interesse do deputado Vermelho em protocolar esse projeto abre alguns questionamentos. Um deles é: Vermelho colocaria sua empresa para concorrer na licitação que poderia asfaltar o caminho, caso ele seja aprovado? Se olharmos para o passado, é bem provável que sim, afinal, ele e sua empresa são e foram responsáveis por grande parte das obras desse tipo na região. O deputado é empresário e sócio da Construtora Coguetto Maria e, inclusive, apareceu na Operação Pecúlio como um dos acusados de pagar mensalinho a servidores e políticos na gestão do então prefeito de Foz do Iguaçu, Reni Pereira.

Trajetória empresarial 

Vermelho foi eleito por Foz do Iguaçu e região com 70.001 votos. Seu apelido se deve aos cabelos ruivos. Vive há mais de 30 anos na cidade, tem 60 anos, nasceu em Francisco Beltrão e já foi presidente da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (AMSOP). Mais tarde, criou e ampliou sua empresa focada em obras de pavimentação. Os negócios foram crescendo no sudoeste do Paraná e Vermelho decidiu ampliar a atuação para a região Oeste, chegando à Foz do Iguaçu entre o fim de 1989 e o início de 1990.

As empresas foram se expandindo nas regiões Oeste e Sudoeste e hoje estão presentes em oito cidades do Paraná. Atuam no ramo da mineração, concreto, pavimentação e construção pesada. Ao todo, geram 650 empregos diretos no Estado. Para poder disputar a eleição de 2018, Vermelho afirmou que se afastou das empresas, que passaram a ser tocadas pelos filhos dele, formados em diferentes áreas. Mesmo ocupando cargo político, os negócios do deputado permaneceram no seio familiar do parlamentar.

Boas relações

Antes mesmo de se candidatar ao cargo de deputado, Vermelho manteve uma boa relação com os políticos de diversas cidades do Paraná. Não raramente, concorria e ganhava licitações de pavimentação. Em 2018, por exemplo, durante o ano eleitoral, participou juntamente com Adilson Feiber de uma reunião com o prefeito de Pitanga, Maicol Callegari Barbosa. Vermelho e Feiber eram, até então, os responsáveis pela empresa Via Venetto Construtora de Obras. Esse fato chama a atenção, já que se tornou público que ele teria se afastado das empresas para disputar uma vaga na Câmara Federal e elas passaram a ser administradas pelos filhos Thiago e Matheus.

Em 2015 Vermelho se encontrou com o então prefeito de Ubiratã Haroldo Fernandes Duarte. Crédito: Divugalção / Valdir Silva

A empresa realizava duas obras de pavimentação na cidade: uma da rodovia PR-239, que liga Pitanga a Mato Rico, e a segunda era referente às marginais da PR-466. No primeiro caso, ficou em segundo lugar na licitação, mas entrou com recurso na justiça e ganhou uma liminar. No encontro de 2018, eles ainda debateram a implantação de uma usina de asfalto na cidade. Trataram de assuntos ligados ao meio empresarial em pleno ano eleitoral.

Obras atrasadas

Mas não é só de apertos de mão e sorrisos que se faz a vida empresarial de Vermelho. Cobranças públicas por atrasos em obras contratadas pela prefeitura também se mostram presentes e constantes na vida do deputado. De acordo com uma notícia veiculada no portal de Ubiratã, em 2015, Vermelho se encontrou com o então prefeito do município, Haroldo Fernandes Duarte. Na reunião, recebeu um ultimato. Sua empresa, a Construtora Coguetto Maria, havia paralisado as obras de pavimentação na cidade. O prefeito reclamou da lentidão das obras. Na oportunidade, o presidente da Câmara Municipal, vereador Harri Tholken, relatou que não era justo o povo pagar pelos atrasos nas obras de execução da pavimentação asfáltica.

Em 2011, foi a vez de Cascavel reclamar da lentidão das obras da empresa de Vermelho. E mais: acusaram-no de fraudar a licitação. Segundo matéria veiculada no site da Câmara de Cascavel, a denúncia partiu do então presidente da Comissão de Viação e Obras da Câmara Municipal, o vereador Júlio César Leme. O vereador acusou as companhias vencedoras da licitação de incapacidade técnica para tocar o andamento das obras do aeroporto da cidade. Ainda segundo o vereador Leme, as empresas S.M Resende Consultoria e Engenharia e Construtora Coguetto Maria teriam ligações societárias e de parentesco e pertenceriam ao mesmo grupo liderado pela construtora Via Venetto. O vereador disse que a sócia proprietária da SM Rezende, Estela Maris Rezende é cônjuge do proprietário da Via Venetto, Nelci Coguetto Maria, que, por sua vez, é pai do proprietário da Construtora Coguetto Maria, Matheus Veloso Maria. De acordo com Leme, teriam concorrido de forma a fraudar a licitação, montando uma espécie de cartel.

Um inquérito civil foi instaurado em 2011 para apurar eventuais irregularidades na execução de obras de ampliação e adequação na pista do Aeroporto de Cascavel. De acordo com o Ministério Público, a licitação foi fraudulenta e ofereceu denúncia criminal contra as duas empresas envolvidas na execução da obra.

Ainda no ano eleitoral de 2018, uma das empresas de Vermelho – a Construtora Coguetto Maria Eirelli – firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público Federal e a prefeitura de Foz do Iguaçu. O TAC foi realizado para a retomada das obras da Avenida Olímpio Rafagnin, que estavam paradas.

Ainda em Foz do Iguaçu, conforme denunciou uma reportagem no portal “O Eco”, a Via Venetto figura em uma faixa de 200 metros desde a margem do Rio Iguaçu, onde a legislação federal exige que seja mantida a vegetação nativa. Essa regra vale desde meados dos anos 1960. A Via Venetto está registrada desde dezembro de 1998.

Durante vistoria, o Ministério Público Federal também identificou lavouras, criação de animais e extração de areia e basalto operando às margens do mesmo rio. “As irregularidades são alvo de ações civis e inquéritos. As licenças dos empreendimentos foram questionadas junto à Prefeitura de Foz do Iguaçu, Instituto Ambiental do Paraná (atual Instituto Água e Terra) e à Agência Nacional de Mineração”, apontou O Eco.

Operação Pecúlio investigou Vermelho e o filho

Em 2016, a 3ª Vara Federal de Foz de Iguaçu acolheu denúncia proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) no Paraná e tornou 85 pessoas réus pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato e fraude à licitação envolvidas num esquema montado dentro da prefeitura de Foz com o objetivo de desviar dinheiro público.

Entre os réus, estava o empresário e atual deputado federal Nelsi Coguetto Maria, o Vermelho. Outro réu era o filho dele, Thiago Veloso Maria. Dentre as acusações, estava a de que os empresários pagavam uma espécie de mensalinho para políticos e servidores públicos.

A suspeita foi levantada pela Operação Pecúlio, que investigava corrupção em obras de pavimentação e em serviços de saúde. Deflagrada em abril de 2016, ela investiga crimes contra a administração pública.

A denúncia foi assinada pelos procuradores da República, Alexandre Halfen da Porciuncula, Daniela Caselani Sitta, Juliano Baggio Gasperin e Rodrigo Costa Azevedo, e contou com amplo material probatório, segundo consta nos autos do MPF. Conforme os investigadores, o que pode ter sido o maior escândalo de corrupção da história de Foz do Iguaçu desviou perto de R$ 5 milhões em recursos.

De acordo com o MPF, constatou-se a existência de uma organização criminosa chefiada pelo então prefeito, Reni Pereira, com braços em diversas secretarias por meio de nomeações de integrantes do grupo criminoso em cargos de comando, “cujo objetivo era a manipulação das principais ações de gestão com a finalidade de desviar recursos públicos, obter vantagens indevidas por meio de contratos firmados ilicitamente com a Prefeitura Municipal e extorquir empresários, cujas empresas já prestavam serviços ao ente público ou possuíam interesse em tal labor”.

Também ficou comprovado pela investigação que a organização criminosa foi articulada e planejada antes mesmo da posse de Pereira. Em fevereiro desse ano, Reni Pereira foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e usurpação do exercício de função pública cometidos durante o mandado dele, entre os anos de 2013 a 2016.

Em 2017, Vermelho e o filho foram absolvidos pela Justiça Federal em razão de possível “insuficiência de provas”, mesmo com testemunhas alegando em diversos depoimentos que ele repassava mensalmente recursos financeiros diretamente aos secretários da gestão de Reni Pereira. 

Dívida

De acordo com a Procuradoria Geral da Fazenda, Vermelho ainda acumula uma dívida de R$ 35 milhões que está renegociada com a União. As dívidas estão relacionadas à empresa V-tech Construtora, que era de propriedade do parlamentar. Vermelho é o único deputado paranaense que deve para a Previdência Social. Da dívida total, R$ 956 mil estão inscritos como dívida previdenciária.

Uso de obras públicas como palanque político

Antes mesmo de se lançar oficialmente como candidato a deputado federal, Vermelho começou a aparecer em capas de jornais da região Oeste do Paraná e a publicar diversos vídeos em redes sociais usando obras públicas para se promover na política. Essa denúncia foi feita pelo PTB de Foz do Iguaçu.

Vermelho, que é empreiteiro e proprietário do grupo Cogueto Maria, ganhou fama na região por realizar pavimentação asfáltica. De 2016 a 2018, a empresa dele venceu a maioria das licitações de Foz do Iguaçu para realizar pavimentação na cidade. Segundo a denúncia do PTB, ele passou a usar as obras públicas em que a empresa dele venceu a licitação como palanque político. Foi eleito com 70 mil votos.

Doador único

Filiado ao PSD, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Vermelho declarou à Justiça Eleitoral ter um total de R$ 8.682.792,55 em bens. A maior parte do patrimônio (mais de R$ 5 milhões) vem de “aplicações e investimentos” e da participação na empresa Vermelho Construtora de Obras (R$ 2 milhões). O único doador da campanha eleitoral de Vermelho foi ele próprio – considerando dados disponíveis até 15 de outubro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Outro PL, outra ameaça

Além do PL de Vermelho, outro projeto, este com tramitação mais avançada, busca abrir uma rodovia em meio ao Parque Nacional do Iguaçu. O PLC 61/2013 foi proposto em 2010 pelo então deputado federal Assis do Couto (PDT) e acabou desarquivado em 2019 pelo senador Álvaro Dias (Podemos). A tramitação mais rápida na Câmara – em 2013 – foi considerada por Dias uma vantagem para conseguir aprovar a reabertura da rodovia. No ano passado, o PL foi aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado e está agora na Comissão de Meio Ambiente.

O relator é o senador Fabiano Contarato (Rede), que já deu parecer contrário à intenção. Em rede social, ele afirmou ser contra o projeto. “Sou contrário a isso porque a antiga estrada está fechada. A Mata Atlântica é o bem maior a ser preservado”, escreveu.

O PL também deve passar pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo. Se for aprovado, irá diretamente para a sanção presidencial, sem análise do plenário – isso significa que os senadores não irão votar sobre o tema. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já defendeu publicamente a reabertura da Estrada. “A estrada do colono, se depender de nós, a licença ambiental vai ser dada”, disse em entrevista a jornalistas em maio de 2019.

Reabertura da Estrada do Colono desrespeitaria sentença judicial, diz MP

Em nota técnica divulgada no dia 27 de fevereiro, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) manifestou-se contrariamente ao projeto de lei 984/2019, do deputado Vermelho (PSD).

O documento alerta para a inconstitucionalidade do projeto e os efeitos negativos da autorização de uso do trecho de 18 quilômetros, já completamente recoberto pela vegetação, que corta o Parque Nacional do Iguaçu, para a construção de uma rodovia. Em alguns trechos, nem mesmo a cicatriz que possa lembrar de por onde um dia passou a estrada na década de 1950 existe mais.

O projeto de Vermelho (PSD) propõe a criação da “Estrada-Parque Caminho do Colono”, instituindo uma nova categoria de unidade de conservação. Segundo o MPPR, a proposição afronta o “regime jurídico especial de proteção do bioma Mata Atlântica, fundado na Constituição da República (art. 255, § 4º) e consubstanciado na Lei Federal 11.428/2006″, desrespeitando, dentre outras, a exigência de estudos prévios que fundamentem a criação de nova unidade de conservação.

A nota também lembra que a intenção afronta a decisão da Justiça Federal, que determinou a manutenção do bloqueio de modo definitivo há 19 anos, em 2001. Além de lembrar da implicação de graves danos ambientais, o MP alerta sobre o risco da reabertura à segurança pública na tríplice fronteira, já que, quando aberta, era muito usada para práticas de caca, contrabando e tráfico de drogas e armas. 

O deputado Vermelho não foi o primeiro a tentar reabrir a Estrada do Colono. Desde seu fechamento por decisão judicial, em 1986, houve diversas tentativas de restabelecimento e ocupação do trecho. Em 2014, durante nova iniciativa, a UNESCO já alertou o Brasil da possibilidade do Parque Nacional do Iguaçu perder o título de Patrimônio Natural Mundial, conquistado em 1986, caso o processo de reabertura fosse adiante.