A marca registrada de uma gestão sem compromisso com o meio ambiente

Gralha Azul - Foto: Zig Koch
Gralha Azul - Foto: Zig Koch

O Governo Estadual do Paraná lançou, dias atrás, uma campanha publicitária voltada ao tema da conservação da natureza. O que ele não se esperava é que, ao invés de retratar a famosa e tão bem conhecida gralha-azul em sua comunicação, cometeu o descalabro de confundi-la com outra ave, o Steller’s Jay, ocorrente na América do Norte. A confusão estabelecida não tem precedentes, tamanha a falta de cuidado presente num produto de mídia estatal a ser amplamente divulgado, financiado com dinheiro público e que, sabidamente, deveria passar por processo consistente de revisão para evitar esse tipo de deslize.     

A primeira questão é dar conta de que existe um corpo de profissionais responsáveis pelo tema ambiental e da conservação da natureza amplamente qualificado e que, em nenhuma hipótese, permitiria que um erro assim, tão grave, fosse cometido. Esse fato suscita uma avaliação sobre ter havido ou não a submissão do material a essa equipe de profissionais disponível. Eventualmente, trata-se de uma decisão tomada em níveis hierárquicos mais altos, que, simplesmente, dispensou qualquer opinião mais qualificada.

Seja como for, a condição mal resolvida sobre o tema da conservação do patrimônio natural do Paraná não se limita a situações vexatórias pontuais como a acima descrita. Trata-se apenas de uma ratificação do descaso e da irresponsabilidade com a qual a gestão pública estadual trata do tema. Para dar o tom a essas considerações, é fundamental expor que o Governo do Paraná se mostre, finamente, alinhado com o que assistimos no âmbito federal: um casamento de agendas de desmonte ambiental agressivo e de grandes proporções, diariamente explorados na mídia nacional.

Nesse contexto, cabe ressaltar o enfraquecimento exponencial das estruturas de meio ambiente. No caso do Paraná, é sintomática a extinção da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), com o advento de uma nova instância, voltada, preponderantemente, ao fomento de grandes empreendimentos econômicos, o que conflita diretamente com a responsabilidade de aferir posicionamentos em processos de licenciamento ambiental. Ou seja, hoje, no Paraná, a mesma instância que promove e estimula a viabilização de novos empreendimentos é aquela que, de forma “isenta”, tem a responsabilidade de licenciá-los. O conflito de interesses, embora notório, é completamente ignorado.

O desaparecimento da Secretaria do Meio Ambiente é acompanhado com uma identificação da prioridade da nova gestão na área ambiental, dois anos atrás: agilizar processos de licenciamento. Demanda que, embora desejável, teria que ser amparada com uma ampla condição de fortalecimento das estruturas sucateadas e sem contratações há 30 anos. 

A diferença entre maior qualidade e agilidade com premissas que simplificam e facilitam processos é muito grande. Alguns exemplos emblemáticos de licenciamento sem o respeito a condicionantes elementares já são bastante bem conhecidos da sociedade paranaense. Vide o caso da Faixa de Infraestrutura e do Porto de Pontal, esse último sob processo investigação pela Polícia Federal, e o caso da Engie, com linhas de transmissão cortando parte do Estado. Várias ilegalidades já foram apontadas na intenção, gerando a suspensão do licenciamento concedido.

Juntamente com a premissa de acelerar processos de licenciamento ambiental, a espelho da gestão federal, um grande esforço de desmonte da legislação ambiental tomou um curso apenas refreado a partir de ações aportadas pelo ministério público em parceria com a academia e o terceiro setor. O caso de maior repercussão envolve a tentativa de retirar a proteção sobre os manguezais e as restingas – em paralelo com a postura imposta no Ministério do Meio Ambiente – e que, até aqui, malogrou por completo.

Andando pareada com estes procedimentos de tornar a agenda ambiental uma demanda que “não cause atrapalho ao desenvolvimento”, o enfraquecimento das estruturas de fiscalização e de controle deixaram marcas de falta de condições de trabalho com a minimização de delitos, com menos multas aplicadas e quase nenhuma das autuações gerando punições adequadas. O clima de impunidade acompanha o ritmo da dança estabelecida de cima, como num arranjo simétrico e previamente acordado com o Governo Federal para estabelecer retrocessos nos controles sobre a proteção e o uso de nossas áreas naturais.

Retomando a ocorrência dos outdoors e da confusão criada com a utilização de uma imagem como símbolo e que não é da gralha-azul, alimentados pela comunicação realizada pelo Governo do Paraná, realmente, esse é o menor dos problemas. É fundamental esclarecer à população de que a conservação da natureza não se obtém, simplesmente, com o plantio de mudas, como o informe público infere. Muito menos a partir do plantio de uma só espécie, como recentemente o próprio governador alardeou: 46 mil mudas de araucária plantadas para conservar a natureza? Como assim? Que tipo de restauração se obtém com o plantio de uma única espécie, se as nossas pouquíssimas áreas naturais do Floresta com Araucária são compostas de centenas de espécies de árvores?

Com este amplo conjunto de fatos, é possível inferir que, ao mesmo tempo em que chegamos a esta gestão estadual numa situação já extremamente crítica em relação a gestão de nossos recursos naturais, em especial a biodiversidade, presenciamos, na prática, um governo pouco interessado no tema, tratando-o com desleixo até proposital. De outro parte, envolvido com pressões excessivas e exageradas de grupos setoriais em busca de facilidades indevidas. 

Salvo interpretação equivocada, mesmo com a ampla somatória de comprovações deste comportamento lascivo em curso, deixamos de lado um crivo mais responsável sobre os empreendimentos que são adequados ao desenvolvimento de nosso estado e abrimos as porteiras para todo o tipo de boiada passar. Ao ponto de termos um uma ave estrangeira sendo elevada ao status de “símbolo do Paraná”. O que mais falta acontecer?

Enquanto o mundo mais evoluído trabalha em busca de economias limpas e respeito ao patrimônio natural, o Paraná parece manter a antiga e ultrapassada fórmula de desenvolvimento – aquela que, no século passado acreditava que a degradação da natureza é o preço do desenvolvimento. 

Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). 

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