Por que o cenário de conservação da natureza no Paraná não é nada positivo?

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Concidentemente ao período eleitoral, que, em breve, elegerá um novo governante para o estado do Paraná, no último dia 13 de setembro dois órgão estaduais decidiram publicar uma nota técnica sobre a cobertura da vegetação nativa no território estadual. A nota apresenta dados de um “estudo científico”, baseado na análise de imagens de satélite, que afirma que 30,3% do território do estado é coberto com remanescentes de vegetação nativa, trazendo a falsa impressão de que o cenário de conservação da natureza é positivo.

Sem entrar no mérito do percentual de cobertura da vegetação nativa, a impressão passada pela nota técnica deve ser tratada com muito cuidado, pois, nem de longe, condiz com a realidade das áreas naturais no estado do Paraná. Isso porque nas últimas décadas, o Estado vem sofrendo com uma perda acelerada de seu patrimônio natural. Em 2016, segundo o Atlas da Mata Atlântica, o Paraná ganhou, inclusive, o título de maior desmatador no acumulado dos últimos 30 anos, somando um total de 456.514 hectares de florestas perdidas – uma área equivalente à aproximadamente 11 cidades de Curitiba. Fazendo jus ao título, o Ministério Público estadual, por meio do Projeto Mata Atlântica em Pé, nos últimos dois anos identificou uma série de desmatamentos ilegais em áreas particulares. Recentemente, nos municípios de Guarapuava, Prudentópolis, Inácio Martins e Pinhão foram identificados 618 hectares de áreas desmatadas e aprendidos 1.500 metros cúbicos de madeira de espécies nativas.

É necessário tomar cuidado com a intepretação de imagens de satélite, pois, em se tratando de florestas, essa tecnologia, sem uma avaliação em campo, não consegue nos trazer um retrato fidedigno da situação sob a cobertura das árvores. Em outras palavras, não consegue avaliar a qualidade do ambiente. A realidade, não mostrada por imagens de satélites, é que a maior parte desses remanescente de vegetação nativa, especialmente aqueles localizados nas áreas de domínio da Floresta com Araucária, são de ambientes altamente degradados pela invasão de espécies exóticas como o pinus (Pinus Elliottii) e a uva do japão (Hovenia dulcis) e por atividades antrópicas, tais como a roçada para plantio de espécies comerciais e criação animal.

Outra questão que deve ser tratada com cuidado, especialmente quando se fala do desenvolvimento de políticas públicas, refere-se às informações sobre vegetação nativa localizadas em imóveis rurais, disponíveis no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Embora muito importante para gestão do território, temos que lembrar que as informações contidas nesse sistema são autodeclatórias e estão numa fase inicial de análise por parte do governo estadual. Até o momento, como a própria nota técnica apresenta, foram analisados somente 5.874 cadastros, ou seja, menos que 2% do total existentes no estado (412.717). Além disso, existem muitos erros, como, por exemplo, sobreposições entre imóveis rurais e com unidades de conservação, que ainda precisam ser corrigidos. Erros esses que resultaram num número total de cadastros superior a quantidade de imóveis rurais existente no estado de 371.063 (Censo Agropecuário-IBGE). Ou seja, milhares de imóveis rurais foram contabilizados duas vezes na matemática do CAR. Segundo o Atlas SICAR Paraná, municípios como Campo Largo, Saudade do Iguaçu e Campo Mourão por exemplo, cadastraram duas vezes mais áreas do que sua área passível para cadastro.

Por fim, outro ponto que merece atenção nessa nota técnica e, no mínimo, uma melhor explicitação das instâncias de governo que a publicaram, é saber qual o estágio de sucessão desses remanescentes de vegetação nativa? Será que estamos falando de capoeiras ou de florestas em estágios mais avançados de desenvolvimento? Isso porque, a qualidade desses remanescentes é um tema mais importante do que a quantidade.

Embora muitas questões fiquem sem repostas, fato é que o percentual de cobertura de vegetação nativa, apresentado pela nota técnica, evidência ainda mais a necessidade do estado investir dignamente no seu aparato de fiscalização e proteção do patrimonial natural paranaense.

 

André Zecchin é biólogo e ambientalista e parceiro do Observatório Justiça e Conservação. Atua com conservação da biodiversidade no âmbito de paisagens rurais, estando atualmente envolvido em projetos de restauração ecológica e pagamentos por serviços ambientais com propriedades da agricultura familiar no interior do Paraná.

Acesse esta artigo no site da Gazeta do Povo.

 

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