O menino que amava as araucárias

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Wigold Schäffer, apaixonado por araucárias desde menino_Apremavi

Esta história de amor começa quando Wigold Schäffer, um menino de cinco anos, reclamava com seus pais por incomodar-se com desmatamentos que via em Santa Catarina na década de 1960. Pensava que se a degradação continuasse naquela velocidade, quando crescesse, não haveria mais árvores para seus filhos e netos. Talvez por conta dos apelos tão constantes e insistentes, o pai de Wigold lhe entregou um saquinho com pinhões e orientou-o a plantá-los. Em 1964, aos cinco anos, ele plantava as cem primeiras sementes de araucária. Muitas germinaram e os crescimentos de todas foram acompanhados ano a ano. Várias viraram árvores de Natal, maiores a cada dezembro. Daquelas sementinhas, restam hoje cerca de 20 araucárias grandes que produzem pinhões e alimentam gralhas, bugios e também a comunidade humana.

A percepção de que a degradação da Floresta com Araucária era abusiva marcou o momento do nascimento naquela criança de um grande amor pela que foi, e continua sendo, uma das árvores mais exuberantes e também cobiçadas da Mata Atlântica. Desse amor de menino, anos depois, nasceram inúmeras ações em prol da conservação da floresta que a abriga.

A luta pela criação de Unidades de Conservação (UCs), a proposição de legislações protetoras, o estímulo para denúncias sobre desmatamentos, crimes ambientais e ações de restauração e a elaboração de materiais de educação ambiental foram possíveis a partir do trabalho da Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida), criada por ele e um grupo de 19 pessoas, e que, em 2017, completa 30 anos de atuação. Em parceria com outras pessoas e organizações, um conjunto de esforços permitiu que a Floresta com Araucária tivesse mais chances de sobreviver. Hoje, em Santa Catarina, onde a Apremavi estabeleceu sua sede, diversos exemplos de resultados positivos são somados, como a volta dos papagaios-charões e de papagaios-de-peito-roxo, que todos os anos colorem os céus em busca do alimento proporcionado pelas araucárias da região serrana do estado. As espécies, que integram a lista de espécies da fauna ameaçadas de extinção, são nativas da Floresta com Araucária e dependem desse ecossistema para sobreviver.

Na história da Apremavi muita coisa pode ser comemorada, como o plantio de oito milhões de mudas de árvores nativas para a restauração da Mata Atlântica, bem como o envolvimento de milhares de proprietários rurais em programas de adequação ambiental e planejamento de propriedades e paisagens.

Apesar dos bons resultados, infelizmente ainda são constantes as agressões às araucárias e a outras espécies que com elas convivem, não só em Santa Catarina, mas em todos os estados onde elas sobrevivem. A degradação que tanto incomodava Wigold criança ainda existe.

São necessárias e urgentes medidas fortes do poder público para coibir a ocorrência de crimes ambientais. No entanto, a sociedade deve cumprir papel fiscalizador e denunciar irregularidades. Cada cidadão pode adotar medidas de proteção e recuperação da biodiversidade que estiverem a seu alcance como, por exemplo, o plantio de espécies nativas. A Floresta com Araucárias e os Campos Naturais associados a ela, bem como os animais que vivem nessas formações vegetais, terão chances reais para viver com qualidade somente se toda a comunidade unir esforços em prol da conservação.

A exemplo de Wigold Schäffer, devemos cultivar o amor à natureza. Como bem escreveu Rubem Alves, “aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.

Que aproveitemos a ocorrência do Dia Nacional da Araucária, lembrado no mês de junho, para bradarmos: que muitas crianças tenham a chance de apaixonarem-se pelas araucárias e que o amor por elas seja eterno!

 

Miriam Prochnow é pedagoga, especialista em Ecologia, secretária executiva do Diálogo Florestal e presidente da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi). Também foi coordenadora da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) e da Rede de ONGS da Mata Atlântica (RMA).

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